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Desafios na Construção e na Engenharia Civil

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Desafios na Construção e na Engenharia Civil

15.Nov.2017

Desafios na Construção e na Engenharia Civil


Opinião de:
Elói Figueiredo
Professor Associado e Engenheiro Civil Sénior na Ordem dos Engenheiros
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa


A construção civil enfrenta hoje uma série de desafios e iniciativas que transformará fundamentalmente a forma como concebemos, projetamos e (re)construímos edifícios e infraestruturas. A quarta revolução industrial, nomeadamente a utilização de robôs inteligentes e veículos autónomos, a sustentabilidade e a eficiência energética estão a conduzir a construção civil para uma órbita diferente daquela que conhecemos há várias décadas.

Ao nível da gestão de projeto e planeamento de obra, as novas tecnologias digitais estão a tornar real a "obra sem papel". Aqui, os BIM – Building Information Modeling – são tecnologias que visam obter uma representação física e funcional ao longo da vida útil dos edifícios, interligando digitalmente os múltiplos projetos de todas as especialidades. Estas alterações deverão trazer maior eficiência no planeamento, no aprovisionamento e nos processos construtivos, proporcionando assim maior produtividade no setor. Aliás, de acordo com um estudo da McKinsey, em 2015, a produtividade no fabrico quase dobrou nas últimas décadas, enquanto na construção tem-se mantido constante devido a problemas de organização, comunicação, gestão, responsabilização contratual, insuficiente análise de risco e pouco planeamento a curto prazo.

Os crescentes custos na mão de obra, a evolução tecnológica multidisciplinar e a competitividade económica a nível mundial aumentam a pressão, sobre os processos construtivos tradicionais, e colocam em evidência a necessidade de se diminuir os tempos de construção. Assim, a impressão 3D ameaça surgir no setor como uma tecnologia de apoio a novos processos construtivos que irão romper com o atual status quo. A impressão 3D é uma tecnologia de fabricação aditiva, onde um modelo digital tridimensional é criado por sucessivas camadas de material. Embora ainda na era primitiva no setor da construção, esta tecnologia já é utilizada com algum sucesso nas áreas da saúde (ex. construção de ossos e próteses) e da mecânica (ex. construção de moldes industriais), pelo que transportar a mesma para a indústria da construção civil é um desafio que promete revolucionar a forma de construção de edifícios e de pontes, prevendo-se desde já a redução drástica do tempo de execução e de intervenção humana, a otimização do uso e redução do desperdício dos materiais de construção, e a capacidade para criar praticamente qualquer forma geométrica. Processos construtivos baseados na impressão 3D deverão originar o aparecimento de novos materiais, adaptáveis à forma de execução. Várias start-ups já foram capazes de construir protótipos de pontes pedonais e elementos estruturais de edifícios em aço com esta tecnologia.

Ao nível da sustentabilidade, a implementação do conceito de economia circular na construção oferece a oportunidade de reinventar a nossa economia, fazendo-a mais sustentável e competitiva ao nível da oferta de valor acrescentado. A transição do modelo linear de produção de materiais para um modelo circular de desenvolvimento sustentável, permite devolver ao ciclo produtivo os materiais em final de vida útil. A economia circular atenua assim o impacto ambiental por diminuir o recurso às matérias primas e pode gerar impacto económico por fomentar a redução de custos de reciclagem e a criação de emprego. Em 2015, a Comissão Europeia adotou um ambicioso pacote para estimular a transição da União Europeia (UE) para uma economia circular, de forma a reforçar a sua competitividade a nível mundial, promover o crescimento económico sustentável e criar novos postos de trabalho. De acordo com a Comissão Europeia, a melhoria da gestão dos resíduos no setor da construção e demolição, que representam hoje 500 milhões de toneladas por ano em território da UE, pode ter impacto apreciável na economia circular.

Numa UE energeticamente ainda dependente do exterior, ao nível da eficiência energética existe atualmente a tendência para se construir mais sistemas de produção de energia renovável, mas mais pequenos e mais dispersos, de forma a viabilizar edifícios energeticamente independentes, reduzir perdas de energia através do encurtamento da distância entre a produção e o consumo, e diminuir as emissões de gases com efeito de estufa. Neste seguimento, a Diretiva 2010/31/UE do Parlamento Europeu e do Conselho da UE de 19 de maio de 2010, relativa ao desempenho energético de edifícios, propõe que todos os novos edifícios tenham um balanço energético próximo do zero (NZEB – nearly zero energy buildings) até o final de 2020, sendo que os novos edifícios públicos devem dar o exemplo até 2018.

Portanto, a inovação tecnológica ao serviço da interligação conceção-projeto-construção-exploração, bem como ao serviço das tecnologias de construção e produção de energia, irá revolucionar a construção civil, trazendo para o setor mais eficiência, menos desperdício e maior otimização na gestão dos recursos.

No setor da construção civil e dentro das engenheiras ditas tradicionais (civil, eletrotécnica e mecânica), a engenharia civil é, por razões históricas, aquela que está mais próxima da construção. Desta forma, o engenheiro civil é o interlocutor técnico natural, com uma posição privilegiada para melhor compreender as especificidades da construção e, assim, conduzir o processo de tomada de decisão durante a conceção, o projeto, a construção e a entrada em serviço dos edifícios e das infraestruturas.

Assim, a evolução no setor da construção tem de ser acompanhada com atualização da formação académica dos engenheiros civis. O futuro engenheiro civil tem de ser capaz de dimensionar e de acompanhar a execução, mas também tem de possuir uma visão global para melhor compreender a multidisciplinariedade das novas tecnologias da construção e ser capaz de dialogar com os demais intervenientes. Observe-se que hoje, e após a reforma desencadeada pela Declaração de Bolonha, o sistema de ensino superior já não é baseado numa aprendizagem de conteúdos geracionais, mas de competências. O futuro engenheiro é um aluno ao longo da sua vida profissional. Contudo, no contexto que se prevê, o engenheiro civil tem de ter uma formação complementar de banda larga, de forma a não ficar refém da evolução tecnológica. Aqui não estão em causa as disciplinas de base das áreas da matemática e física, bem como das mecânicas dos materiais, das estruturas, dos solos e dos fluídos. Estas são fundamentais para fertilizar e estruturar a capacidade de raciocínio do engenheiro. Assim, ao nível da gestão da informação na construção, as disciplinas devem ter conteúdos programáticos de finanças, de gestão de recursos humanos e de empresas, de tecnologia da informação e de comunicação. A nível técnico são necessários mais conteúdos sobre sistemas energéticos para melhor compreender as necessidades energéticas dos edifícios, de gestão de resíduos para sensibilização da importância da economia circular, bem como conteúdos de robótica para melhor perceber o funcionamento das novas tecnologias de construção.

Fonte: Construir.pt